quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Tédio

Tudo me enfastia.
Quedo no mundo a besuntar-me em ódio
e, ainda que os sestros me perfaçam,
é a algaravia que se me deita aos olhos.

Não mais um torpe; sem paga só.
Arquejo – já meus silêncios reluzem
à eira de meus dias. O cais evade.
O horizonte não me toma a mente.

Somente o Nada
– chave a permanecer cerrada
na caixa que não há de abrir.

Comunhão

Resmas de trigo ao corpo.
Ao cálix a mênstrua tinta.
E, ao coração sedutor,
a violação dos altares!

Legado

Quem me aporá rosas à cripta?
Se os dromedários estultos seguissem
as trompas de Jericó Triunfante
nas primaveras etílicas...

Serenidade de torpe incensário
em aquários esfacelados...
Quem me aporá rosas à cripta?
E que naipe trará ao colo?

Terá olhos de agouro ou de réu,
o Relicário, às névoas virgens?
E sua oferenda nefasta dará
algo além de marsúpios?

Necrosam-me as boas vontades,
ó Golem que me aporá rosas
quando os versos enrugarem
num silêncio de entreposto.

Quem tocará meu princípio,
que quedará partido e alado
nas dobras da Mão Divina
quando tomarem meu sopro?

Anseio

à tarde
que o clamor do mar dissolve
deixai-me a ansiar
sem o que ansiar
– salvo a morte.

Torah

A Lei que me toca é livre
dos livros eternos, voa
das tábuas do vil Sinai
aos sinos que a alma entoa.

Desnuda a Torah das letras.
YHVH? Metáfora da Pessoa.
O Orco? Rima canhestra
que num arfar se destoa.

Galé

Espectros tétricos lambem
a gangrena dos credos:
Os nuncas anseiam ser.

À noite engasga
um rubi que escava a entranha:
a nobreza blasé se intifada.

Quem guiará a galé
que o pó de frufrus vis encarde
à universal dignidade?

Aracaju

A bruma solar
coroa de espasmos
os traços do Centro.

No lodo carnal
incontáveis freaks
rastejam lateralmente.

Perfumam-se de almanaque
e entre hostes vagueiam
– parlamentares.

Mais fétido ungüento
que os olhos imberbes
ousaram um beque.

Ela

Olhos de brisa ardente.
A mente semeia infernos
na bruma da noite eterna.

Um corvo saracuteia
por avenidas dispersas
em solidão reticente.

Regina: riso poente
em mil abismos secretos.

Mal-estar

A autonomia do ponto é a ignorância da trama.
A idéia da cerca detém mais que o arame.

A temer? Este alvor consentido!
Putrefazem o virá as carcaças? Resisto

e os senões me espedaçam! Recebo
e este pus nunca cessa!

Serenar... Esquecer...

Ofício

Soneto que pariu parou-me.
Só dei de si quando houve
tal blitzkrieg de metáforas
por mi'as vias fleumáticas.

No mais das vezes não vale
a pena dar pena ao acre
ofício de artificio uterino:
o feto nos sorve o cassino.

Só marcha de flatos! Lassos
tocando uma! Tão raros
os de se pôr à estante
pra repousar sob Dante!

Se lhe fere seu bote, não xote:
Relaxe que passa o Concorde.

Olhos

eu que o espelho afaz
estes olhos de jamais

eu que o viver atraso
levo olhos de ocaso

eu que a gemer m'aturdo
estes olhos d'absurdo

eu que a fazer me devo
levo olhos de acervo.

Desvalido

Não sou senhor sequer
do corpo que me veste.
Chamar de meu espírito
o trigo de alheias mãos!

(Nada me ausculta, salvo
as rimas de meandros)

Reclusos sestros abrigo.
Em maços saudade alard'o.
Possuo nem mesmo a ave
que em meu inverno lateja.

Tu

queria sentir tua ideia
como um perfume caro
ou narcótico ansiado
que a minh'alma aleija

e ao chegar a tua forma
deitar as palavras
feito contas desfiadas
sobre um chão de missa

atracar-me a teu sabor
como um veleiro firme
a envelhecer no porto

abraçar tua ausência
feito um peregrino
nos porões da Fé.

Contabilidade

Sol negro nas ruas.
Metafísico afago.
O cigarro me necropsia.
Meu silêncio cheira a bebês retalhados.
A cidade acusa Deus com seus dedos de vidro.

A megera febril ni esquelético abraço me põe estilhaços no sangue.

Pulsantes vermes nos sonhos
de cada ser reticente anseiam
“Assassinato!”

Daí as navalhas nos olhos e as vozes de napalm.

Por isso as mães embalam medalhas
ou veem purezas violadas
enquanto em tronos de lama
frígidos gráficos regem
maquinarias macabras!

Agora

Que nos podem soprar os crânios
fendidos dos antigos? Proclamo
o parto seco (que rasga e doira)
do ilimitado Agora!

Colega, teu verso lavra uns
gemidos prenhes de lázaros
em rima que à foz repousa a
bradar “Evoé... qualquer cousa”?

Por que nos urges à havida
catatonia litúrgica?
Vê: a toga em ti causa risos.

Baganas: não ambrosia!
Nada de améns: porfia!
Os ácaros não são criativos.

Como explicar a caquéticos tios
nos preparativos da orgia que os
cortejos suplantam a ágape
do viadutos e picapes
de ricos segredos neolíticos
não pagam um LP dos Beatles?

Estética

A arte nos ferra ao perpétuo efêmero de sua singularidade extática.
A arte barra o iminente.
A arte ceifa e cose o fluxo orgânico.
A arte ata carniça a fetos.

A arte paira no havido e vibra no a-ser.

Mas como supô-la plena se a circunstância é senhora?
Que margens propor à Estética, se há lastros de Si no belo,
Mas lotes de Ti no olhar?

Prece

Benta terebintina, cerrai
a Campa e o Verme a vir!
Só contas de amor na bata!
Louvor em suor e fezes!

Guardai a faca do Eterno
de nossos olhos frementes!
Bani todo asperso noir
dos campanários do Estar!

Proxeneta

Revoadas de quiçás circundam céus chagosos.
A Bíblia roça o vidro de Prozac.
Mil engrenagens rangem por shabat que entrave e
Fermentam este Moloch de ouro em óleo!

Gravatas compõem códigos de henna.
É noite de domingo e a alma não deita.
O Inevitável em breve ceifa, ó retas!
Gemidos quebram frases de alfazema.

Sobre os ossos marcham legiões de pás.
Pareceiros das moscas se fundem a andrajos.
Extremos tracejam o zanzar dos átomos.
Sou proxeneta, irmão, de ideias mortas!

Na janela a tudo, vozes nos cegam pro acre.
Aos andarilhos as odes. Aos crematórios, echarpes!

Rita

Ela tem cachos como escaravelhos.
Olhos d'impérios contidos.
Tem risos de foda com o Cão.
Às mãos, molotov e sementes.

Ela tem napoleões no andar.
A alma em ruínas acesas.
Um maço amassado que pulsa.

Ela tem meu intento de instante
no branco dum dia sido.

Relato

Eu nasci num silêncio
de Ísis sem véu.
Meu primeiro verbo
fez secar o Sol.

Fui por noite enferma
a gemer manhãs,
desnudo de ungüentos,
mil senões por ar.

Fui pelas galés
a coser monções,
expurgo da Lei,
o pender por norte.

Fui por mata escusa
a fremir fragatas,
descido dos astros,
por bem só meus ais.

Ensejo

Tombar a secreta bastilha.
Rasgar dinastias larvais.
Alçar-se a um novo Estado
– o Poético.

Ser vela a trepidar sob este véu contínuo!

Esquartejar a ralé! a corte! os sinédrios!
Entre as flores invernais, um império
erguer! Em cada marca da espada,
o romper de uma trova revoada!

E ao fim das sazões,
já com mares nos ombros,
sair pelas manhãs...
em busca do poema
que me encontre.

Intento

hei de abrir um duto
pra que a mente escoe
meus miolos vibrem
tais botões de mar

a minha idéia há de correr
sobre a navalha
e se calhar
o Letes cobrirá minha banheira

não haverão minh’alma em Ararat
mas atracada no cenho das ruas.

No dia em que escrevo versos

no dia em que escrevo versos
as nuvens se me desprendem
não chove senão do avesso

no dia em que escrevo versos
levo os olhos à vista
os pés em cevada imersos

no dia em que escrevo versos
trago nas mãos gasta rosa
na pulsação, mil invernos

(é minha idéia escura
que me impede a cura)

no dia em que escrevo esses versos
escrevo sem dar por mim
dar por eles

escrevo sem desejar vê-los lidos
trago na idéia sintaxe de exílios
à alma, uns orvalhos inversos.

Palavra

entre o livro que lavra
e a mão que emana
entre o olhar que espanta
e o que cicia
a palavra morreu – era nada
lágrima desfeita em tinta tanta
miragem d’ algo inominável
que um nome nomeou
por teimosia

Passeio

as gentes as amo abstratas
a ti anseio no rijo
na forja do suicídio hepatocancerígeno
às 4
na abstinência de Lírio

vagando em vício pelas
inflames ruas intensas

ouvindo famintas
larvas d’ave
no asfalto infindo

tendo nada além da tenra idade
R$10
o Medo
um último cigarro de minuto após

empesteia de si
mi’as ciências
o arauto da Luz

minhas idéias não
me limpam o cu
vazado

mas no ver-Te me curo
me curo
no ver-Te.

Desvio

Amei-te pela noite de uma vida inteira.
O curso do Ser desaguou-me contigo.
Livres, soldamos os corpos, mas sigo
estreito leito, porque me ative à beira.

Essas aves ao seio, elas migram um dia.
E a latejar, que nos deixam? Este inverno!
Ao ter-te, desfeita, meus olhos de Averno
desnudam-te 'té do que de mim te existia.

Encrava-se-me um espinho, 'té o âmago...
a retirar mi'a seiva para moldar sua rosa.
Por que as mãos vão derramar-lhe sândalo?

Deixarei que a correnteza meu destino seja.
Foz alguma a nos tocar - nem o luar me glosa.
Uma dia há de cessar o gosto da cereja.